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De onde vinham os miasmas? Da Lagoa do Boqueirão ou do empreendimento colonial, que poluiu com seus dejetos a terra sem males dos tupinambás? Em sua proposta para Passeio Público, ana kemper procura reler as histórias de uma cidade violentada.

A artista reúne um conjunto de livros sobre processos de colonização, botânica e paisagem, e busca correlações entre os genocídios e o desmatamento de nossa mata nativa. Ao desescrever com fita isolante, acaba destacando os trechos que não foram cobertos.

Este gesto de isolamento reproduz visualmente os soluços, hesitações e apagamentos da memória. Ao exilar o texto coberto e isolar o texto que pode ser lido, kemper evidencia a edição como uma escrita e a própria história como possibilidade para um sem-número de verdades, caminhos e bifurcações.

Todas as narrativas estão em permanente movimento e disputa. Ao criar apagamentos visuais com a fita, a artista demonstra que a centelha para a construção de um novo discurso reside nas lacunas entre as ruínas dos anteriores.

kemper escolhe infiltrar esses vazios, tirando partido de distintos estados da água para instaurar uma múltipla sensorialidade. Na parede, junto aos livros,  plantas e anotações, apresenta vídeos das águas do Passeio. Abaixo desse conjunto, instala difusores que exalam para o ambiente os vapores de outros tempos. Não os dos miasmas, que enterraram a lagoa, mas o de uma combinação dos óleos essenciais de pimenta rosa (aroeira), jurema e colônia. Ao envolver imagens e palavras com os cheiros da Mata Atlântica, kemper liquefaz a história na ficção para nos dar novos circuitos de respiração.


ana kemper
CoMutação – composição 2 – entre estertores e miasmas, 2023
Livros, fotos, folhas, sementes, projeção, cadernos, odores, raízes
Edição de Gabi Paschoal, edt, e sonorização de Ruben Jacobina
Dimensões variáveis
Fotos de Tiago Morena.