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No princípio era o ouro. Debaixo das terras das Minas Gerais, os metais e as pedras preciosas atraíam exploradores como o jovem português que atravessou o Atlântico para saquear a colônia. Gerou um filho numa mulher escravizada, sem que saibamos as condições em que isso ocorreu, e arrancou a criança dos braços da mãe para estudar em Portugal.

No princípio era o ouro. De volta ao país aos 25 anos, aquele menino se transforma no mais importante artista da cidade ao fazer do ouro das Minas a pele luminosa de seus ornamentos barrocos. Um homem negro que privava da amizade do vice-rei, mas morreu na miséria e passou a vida se queixando que não recebia à altura do seu talento.

No princípio era o ouro. E Moisés Patrício marca com ele o início de percurso de seu trabalho-tributo, que também é o marco zero da exposição Passeio Público. 

O artista transforma em vasos de cerâmica cada um dos 68 anos de vida de Mestre Valentim. Dispostos como um caminho sinuoso, os vasos foram em sua maioria emborcados para baixo, e oferecem um caminho para que o visitante pise devagar no território de múltiplos tempos que a mostra oferece, enquanto tem a oportunidade de ressignificar a vida e o legado de Valentim, repisando, ano a ano, sua trajetória. Ao fim da serpente de cerâmica, um conjunto de vasos maiores  abertos, cheios  de areia salpicada de uma poeira dourada, vestígios do início do trajeto. 

No princípio era o ouro. 

E, no fim, o ouro se transforma em princípio: elevar ao brilho e à luz a vida de um homem que encarnou contradições e dores de uma terra invadida, mas redimensionou-as através da arte.


Moisés Patrício
Tributo à vida e à obra de Valentim da Fonseca e Silva, 2023
68 vasos de barro, areia, folha de ouro
Dimensões variáveis
Fotos de Tiago Morena.