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Um Rio de Janeiro de conflitos. Entre a aristocracia escravocrata e o povo subjugado a um sistema que privilegiava apenas pessoas brancas, supostamente “bem-nascidas”, André Vargas ativa um imaginário de Brasil que vem da brasa, do fogo, um país constituído com base na violência contra a população afrodiaspórica que o construiu.

O processo de pesquisa de Vargas busca criar novas percepções sobre imagens que, ao longo dos séculos, inscrevem os corpos negros em cenários de opressão e de violação de seus direitos.

Nos séculos XVIII e XIX, os deslocamentos em liteiras ainda eram frequentes no Brasil. Essa espécie de cadeira com alças e sem rodas, protegida por cortinas, precisava ser carregada por pelo menos dois homens escravizados, e eles percorriam grandes distâncias, descalços, para que o passageiro ou passageira não manchasse com suor tropical suas roupas de veludo ou gastasse seus sapatos.

Na bandeira de Vargas, outras configurações de país são possíveis. Sobre o fundo verde, a liteira não tem carregadores, deixando a senhora à espera enquanto seu rosto vazio nos encara de frente. A frase “por todo o passeio nos ombros do público” obriga à reflexão: que ombros a conduziriam? Estará ela à espera de que a chama contra colonial a consuma por inteiro por não ter quem a carregue?

Nesta bandeira em que Brasil vem de brasa e a liteira não tem quem a leve nos ombros, a agência da imagem não está na moça que, impávida, aguarda algo que não vai acontecer. Está nos homens escravizados que saíram da cena e a deixaram ali, em chamas.


André Vargas
Passeio Público, 2023.
Tinta PVA sobre tecido oxford verde
190 x 150 cm
Fotos de Tiago Morena.