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Um andarilho, que concentra no corpo uma pluralidade imagética: Louco, Eremita, Exu, Mercúrio. Podemos ser menestréis, viajantes e mensageiros da cidade que nos habita?

Um semeador, que antecipa com pétalas de rosa a inundação vermelha que vai irrigar os desidratados amores da Fonte. É viável perfumar o passado e fertilizar o futuro?

Um demarcador, que pontua o caminho com os pedaços sedosos das flores, restos de corpos como as trouxas de carne que traz nos ombros. Como incorporar o horror, para então digeri-lo?

Com Amor carnal, Ronald Duarte reanima a Fonte dos Amores, a mais icônica das obras públicas de Mestre Valentim, tirando do gerúndio a configuração original: os répteis espreitando garças à beira d ‘água. Hoje ausentes do Passeio Público, as aves nem morriam, nem voavam. 

A devoração como um ciclo de força e fragilidade, em que as supostas presas são metáfora para os pesadelos coloniais, mas também podem ser oferenda e cura. O artista lavou a pedra e o bronze com um pouco de sangue real e uma hemorragia alegórica. Esta última, quase uma enchente, segue pressionando as margens de esquecimento que a continham para submergir apoiada em memórias, individuais e coletivas, e naquilo que podemos fabular.

Jorra o massacre dos tupinambás; escorrem a tortura e a morte dos que foram sequestrados em outro continente; empoça o estupro de tantas mulheres. O Rio como uma cidade submersa nada idílica. A arte como a fera que fareja novas carnificinas e crimes de guerra do presente, enquanto lambe e morde o passado, tentando alterar seu gosto.


Ronald Duarte
Amor carnal, 2023
Registro da performance por Sambacine | Tiago Morena
Integra a exposição: 
vídeo, 5’, realizado pela Sambacine (com colaboração de Nádia Oliveira e Alex Moreira)
Fotos de Tiago Morena.