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Morro e vivo. Posicionada estrategicamente ao lado do texto curatorial, a peça, uma espécie de escorpião, uma das formas híbridas criadas por Zé Carlos Garcia, foi produzida  com galhos cortados do tronco, mortos, que ganham nova possibilidade de vida na escultura. Esta, por sua vez, traz verdadeiramente em si o lastro da morte, parte do corpo de uma árvore podada, daquilo que a árvore um dia foi. Morre-e-vive, como a cidade, veneno e antídoto para si mesma. 

Já em Caninana, Garcia consegue amalgamar parte de uma memória assombrada e assombrosa do Passeio. A serpente com cocar se arrasta pelo piso da galeria como lembrança de um Rio tupinambá que também morre-e-vive nas entranhas da cidade. Seu corpo é talhado como retábulo barroco, mas com volutas e outros ornamentos saídos de um repertório visual próximo ao cangaço, um dos interesses de pesquisa do artista, assim como o entalhamento e a arte plumária. 

Em Passeio Público, a proximidade desses processos de criação extremamente minuciosos e manuais traz a memória de Mestre Valentim, mas cria laços menos evidentes com a temporalidade tentacular que percorre toda a mostra. A estranheza dos seres que o artista inventa parece vir justamente do fato de serem corpos andrajosos, em que cada pedaço é estrangeiro em tempo e espaço dos demais.  A perturbação se amplia quando se percebe que essas criaturas frequentemente trazem ovos como protuberâncias de seus corpos. Grávidas desse vir-a-ser, elas ampliam o ruído da convivência com tantos passados. Mais do que isso, parecem ser esses outros tempos que estão aninhados ali, à espera do momento de sair da casca.


Obras de Zé Carlos Garcia
Oferenda, 2023
escultura em madeira (pinus e roxinho) e tinta esmalte
146 x 33 x 30 cm
Luz 1, 2023
escultura em madeira (pinus) e tinta esmalte
105 x 8,5 x 9 cm
Luz 2, 2023
escultura em madeira (pinus) e tinta esmalte
100 x 10 x 9 cm
Peixe carranca, 2023
escultura em madeira (eucalipto) e pedra
105 x 20 x 165 cm
Caninana, 2023
escultura em madeira (eucalipto) e penas
80 x 50 x 290 cm
Também integra a exposição:
Morro e vivo, 2022  
Escultura em madeira (eucalipto e poda urbana não identificada)
176 x 85 x 39 cm
Fotos de Tiago Morena