Uma contemplação daquilo que é vivo, das coisas diminutas, de tudo o que é facilmente ignorado e sobrepujado nas dinâmicas de uma grande metrópole, a não ser que sirva de ornamento para o deleite de uma aristocracia sedenta por uma ambientação que a leve pelo caminho norte do Atlântico.
Raul Leal investiga as espécies que habitaram e ainda habitam o Passeio Público desde sua inauguração, considerando principalmente a transformação realizada por Glaziou, que substitui as linhas retas de Valentim para evocar um selvagem controlado, projetando um romantismo em curvas sinuosas que trata como ornamento a fauna e a flora nativas e exóticas. No entanto, é justamente nos momentos de desatenção que a natureza reivindica sua agência e recusa as propostas decorativas e civilizatórias. Nos períodos de abandono, os bichos da mata atlântica retornam ao que um dia foi seu território e insistem em se manter viva e pulsante.
O fogo da pirografia retrata animais vivos e as cinzas vindas de queimadas criam em monotipias os bichos mortos por eletrocussão ou atropelamento. Sobre a madeira, Leal desenha um ciclo de vida e morte. Além das árvores, são rememorados os tapumes que um dia foram improvisados para substituir os gradis do Passeio no momento da inauguração do jardim de Glaziou, que contrastavam com a exuberância pretendida naquele momento.
Leal pleiteia a atenção para os frangos d’água, gambás, caxinguelês, sapos, cobras e outros seres nativos, encontrando a nobreza das vidas que são negligenciadas por não ornarem com as constantes idealizações de uma cidade cenográfica.