Skip to main content

De onde vêm as lendas? As fábulas? Os amores?

Não um buquê, todo um jardim. Não um jardim, um passeio. Um amor aberto ao público. Um amor em aberto.

Que um dia houve um vice-rei, isto é fato. Está nos livros de história. Se houve também uma plebeia, Suzana, já é lenda. De todas as histórias do Passeio Público, a desse amor que não deixou rastros (a não ser um jardim inteiro) desperta a saudade de um tempo que não se viveu. A fábula de um amor tão romântico quanto impossível. Um amor encomendado a Mestre Valentim.

Mas Valentim ainda guarda surpresas. Dentro dos portões do Passeio, a Fonte dos Amores abriga bichos do mangue. Jacarés e garças, vice-reis e Suzanas, vivem uma paz forjada, à espera de um amor que só é real na impossibilidade do encontro da carne. E que, apesar disso – ou por isso mesmo – é tão intenso quanto a espreita dos jacarés. Ou quanto o voo das garças, que hoje habitam outros jardins.

Ivan Grilo cria céus, estrelas, e também ajuda a encontrá-las em sete telas que recontam esse amor fabulado. Seja com o astrolábio que guia o caminho por constelações imaginadas – ou reais, como saber, se tudo que existe é de fato invenção –, seja nos caminhos das palavras que narram o amor que se torna um jardim de onde tudo foi levado. Registrando o impossível, o artista desvela o voo da garça em céus estrelados de constelações fictícias, enfrenta o passeio com coragem e amor. Mas não o amor-presa do jacaré. Também esse foi levado. O amor se encontra no voo noturno da garça, nos corpos abertos que resultam de ferida e fuga, e sobretudo no desejo de liberdade.


Ivan Grilo
O amor que virou jardim (ou jacaré quer me abraçar)
Impressão em papel algodão, tinta acrílica, gravação em acrílico
300 x 72 cm
Legendas nas imagens:
1. Pequenos espelhos noturnos onde me projeto.
2. Na pele restam as pequenas constelações que seus dentes deixaram.
3. Talvez haja luz vindo das fissuras.
4. Dizem que esse amor virou jardim. Tudo dele foi levado.
5. Debaixo dos dentes? Não, sob o céu.
6. É preciso coragem para atravessar o portão, enfrentar o passeio.
7. Céu crivado para receber o vôo. Corpos abertos.
Fotos de Tiago Morena.